quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O amor, realmente, não enche barriga!!!

A pobreza não é garantia de felicidade, assim como a riqueza. Mas a diferença entre as duas situações, é que a falta de dinheiro provoca sensações diversas, que vão da tristeza à euforia, em questão de minutos. Quando eu tinha cinco anos de idade, meu pai teve que deixar a família, em Divinópolis, para tentar a sorte em Brasília. Quinzenalmente ele vinha nos ver, sempre trazendo presentinhos simples, que nos enchiam de curiosidade. Certa vez, ele chegou com um casal de canários, e assim que abriu a caixinha, os passarinhos voaram, assustados, buscando abrigo no teto alto da nossa casa. Num misto de surpresa e medo, nos divertimos muito com meu pai subindo pelos móveis na tentativa de pegá-los. Quando ele finalmente conseguiu, estávamos exaustas (éramos quatro meninas) e fomos dormir. 
Durante muitos meses aqueles canários foram a nossa alegria. Cantando repetidamente, era como se o meu pai estivesse ali conosco. Dar água e comida para aquele bichinho nos fazia também mais responsáveis. Minha mãe, constantemente, recebia proposta de vendê-los, mas ela sabia o valor que eles tinham em nossas vidas e sempre recusava a oferta. No entanto, num sábado, meu pai não veio por falta de dinheiro. A carta com o aviso só chegara muito tempo depois, e sem saber o motivo da ausência dele, começamos a racionar comida, até que um dia ela faltou completamente, Era num domingo ensolarado quando minha mãe, depois de muito pensar, decidiu vender os passarinhos. A decisão foi tomada sozinha, porque naquela época criança não era ouvida. Com a proposta nos lábios, fomos oferecer os canários para o vizinho, mas ele só aceitou comprá-los por causa da insistência de um cunhado que o visitava. Foi a nossa salvação. 
Com o dinheiro dos passarinhos, eu e minhas irmãs  fomos correndo à venda comprar mantimentos. Na volta, cada menina trazia nos bracinhos, sacos pequenos de arroz, feijão, sal, ovos e leite. Minha mãe, que nascera de uma família abastada, se entristecia com aquela situação, e não raramente a víamos deprimida. Ela sabia da importância daqueles pássaros nas nossas vidas, mas não teve escolha. Naquela época, mulher não trabalhava como nos dias de hoje, e dependia do dinheiro do marido para o sustento da casa. 
No final de semana seguinte meu pai chegou e quis saber dos canários. Ansiosas por vê-lo, contamos a história à ele, que se divertiu muito e elogiou a atitude da minha mãe. Afinal, ela não nos deixou passar fome! No domingo, meu pai viajou novamente garantindo que nunca mais deixaria de nos visitar. Já não tínhamos mais o canário conosco, mas ainda ouvíamos a sua cantoria. Pareciam tristes por terem mudado de casa, mas sabíamos que estavam bem. Do nosso quintal, diariamente olhávamos a parede onde a gaiola ficava pendurada. Nada dizíamos. Tão pequenas, tivemos que entender que o amor enche o coração, mas não a barriga!

2 comentários:

  1. Estou adorando o teu blog já li vários textos e sempre viajo no tempo na minha infância lendo as suas memórias essa sobre o amor é uma absoluta verdade. Bjs Cynthia

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  2. Oi, Cynthia querida. Obrigada pelos elogios e comentários. Que bom que gostou. Beijo grande. Carla Vilaça.

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