quinta-feira, 25 de maio de 2017

Ele não era nada daquilo!

Na adolescência fui apaixonada por um professor, cuja história já contei aqui (http://olharfeminista.blogspot.com.br/search?q=um+amor+de+professor) e relato, agora, o nosso encontro, no início da semana, depois de três décadas.  Nossos destinos jamais se cruzariam, não fosse a tecnologia. Ao encontrar seu perfil num site de relacionamentos, enviei-lhe uma mensagem, mas a resposta custou a chegar e não acreditei quando me convidou para sair.  Pontual, cheguei ao restaurante de um hotel, escolhido por ele, às oito da noite, mas fui avisada de que se atrasaria por causa do trabalho. Tímida (sou assim em locais estranhos), me sentei no fundo e para passar o tempo, me distraí com o celular. Ao chegar, ele me tocou de leve, sorriu e me deu um selinho, como se não houvesse longa distância física durante tanto tempo.
Já sentados, um de frente para o outro, ele me pediu desculpas pela demora e perguntou se eu o aguardava por muito tempo. Respondi, fazendo graça, que o esperei por... 30 anos! Então, contei-lhe sobre minha paixão e ouvi suas desculpas pela falta de conhecimento desta admiração antiga. Contamos um pouco sobre nossas vidas e falamos do passado e do presente. Era tão surreal aquele momento, que eu tinha a certeza de que seria acordada no melhor momento do sonho, como tantas vezes aconteceu.
Depois de muita conversa, subimos para o quarto, e para minha decepção, foi péssimo. Não havia carinho, nem conversa nem beijos (o que eu fui fazer ali?). Tantos sonhos por tão pouco. O cara que imaginei era apenas ilusão. Não consigo descrever a frustração de ver todo meu sonho correndo pelo ralo. seu assunto, seu corpo, seu jeito em nada me agradaram e me deixaram confusa. Me senti um nada e ameacei ir embora. Esperava ao menos que ele me levasse para casa, mas para minha surpresa, me sugeriu pegar um táxi porque "estava a fim de dormir" e perguntou se eu tinha dinheiro para a corrida. Meu Deus! Em que mundo vivi durante tantas décadas, imaginando que meus sentimentos eram compartilhados por aquele ser? Sua falta de gentileza escancarava pelos lábios numa grossura irritante. Me vesti, peguei minha bolsa, calcei minhas sandálias e tentei sair dali. Tive dificuldades com a maçaneta da porta e nem isso ele me ajudou.
No elevador, fiz careta em frente o espelho e me chamei de idiota, já totalmente descomposta, sem maquiagem, encostada na parede de vidro. Já no hall, fui praticamente destratada pelos recepcionistas que não me ajudaram a ligar para o Úber. Com 2% de bateria no celular, a única solução que encontrei foi ligar para alguém, mas após várias tentativas frustradas, me sobrou apenas uma opção e pedi, então, ao meu ex-marido que me buscasse. Vinte minutos depois ele chegou, desconfiado da minha roupa e do lugar onde me pegou, me fazendo perguntas durante o trajeto. Ao me deixar em casa, ainda me esperou entrar, como um bom cavalheiro. Não havia como comparar os dois, tão diferentes eram. E chorei enquanto fazia um chocolate quente. Quase meia hora depois o cara ligou, se fingindo de preocupado. Sem qualquer emoção, disse que à ele que iria dormir.
Acabei pegando no sono por alguns minutos, até que o despertador tocou. Sem acreditar em tudo o que havia passado, me levantei, tomei um banho e fui trabalhar. Numa confusão entre fantasia e realidade, meu cérebro não relaxava, pensava no ocorrido e no quanto fui iludida. De volta à realidade, retomei minha rotina. E, por mais amarga que tenha sido aquela noite, foi melhor do que a ilusão, que transforma tudo em fantástico. Dois meses depois ele me passou mensagem querendo sair de novo comigo. Eu simplesmente o excluí dos meus contatos. Hoje, passados 3 anos, não me arrependo de ter saído com aquele homem e ter descoberto nele tanta normalidade. Coisificar, neste caso, foi a melhor solução para apagar um passado mal resolvido. Durante décadas eu fantasiei com alguém que nunca existiu. Foi uma cegueira longa! Mas hoje, na clareza dos sentimentos, vejo que foi necessário. Só assim mesmo para expurgar as ilusões.



Carla Vilaça.

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