quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Os dois lados da moeda: estou falando do meu corpo!

Descendo a rua do bairro onde morei por muitos anos, sou chamada por um ex-vizinho, do alto da escada onde ele mora. Ficou conversando comigo, me apresentou a filha de 20 anos e me elogiou quando ela a esposa entraram porta adentro. Com os cabelos amarrados, escuros e alguns fios brancos, ouvi dele que continuo bonita, como naquele Carnaval de 86, em Passa Tempo. Apesar de sempre parecer mais jovem do que sou, aquele elogio me chamou a atenção. Nunca fui muito preocupada com a vaidade, ou não a percebia, até ser observada por duas amigas, que em todas as nossas conversas, riem quando retoco o batom. Sempre gostei de usar calça jeans com camisetas, não uso maquiagem do dia-a-dia, e nem sempre dá tempo de pintar os cabelos, mas com a gordura acumulada depois da gravidez, pude perceber o olhar dos outros sobre mim, como nunca acontecera.
Muito cuidadosa com o corpo, eu adorava usar biquíni e me exibir na praia ou na piscina e na adolescência eu fazia isso com maestria perante meus colegas de colégio. Coisas de menina! Nas festas, constantemente eu comparecia de vestidos colados, batom escuro e salto alto. Mas, a maternidade me colocou de pés no chão. Não tenho tempo para me embelezar e a prioridade é o meu filho. Estou sempre preocupada com escola dele, a alimentação, a diversão dele. Me esqueci de mim, como nunca imaginei que acontecesse. Como voltei a estudar,  meu tempo também ficou curto para vaidades, e assim fui levando a vida, até que um exame clínico apontou que era hora de mudança. Meu corpo deveria voltar ao normal ou eu teria um colapso, e convenhamos, não desejamos a orfandade para nossos filhos!
Mas, antes da exigência do médico para o meu rápido emagrecimento, eu havia sentido na carne (com muita gordura, por sinal) a objeção a pessoas com pesos exagerados. Ao entrar numa loja de um shopping, em Belo Horizonte, com o meu filho recém-nascido, fui sendo observada por seguranças até a saída (será que pensaram que eu fazia parte da *Gangue das Gordas?), me causando indignação. Já num banco, parentes do ex-marido da minha irmã comentavam sobre a minha "obesidade", pensando que eu não percebesse. E, se antes eu era chamada de moça pelas vendedoras, agora se referem a mim como 'senhora', e a mudança de tratamento não me agrada.
Mudanças no corpo sempre são causadoras de discussões. Quando, na juventude, perdi mais de 20 quilos em poucos meses (eu já era magra e fiquei seca), os homens do bairro não gostaram. Estavam acostumados a me verem de minissaia, miniblusa e roupas colantes, e ficaram decepcionados à medida em que meus ossos apareciam sobre a pele. Enquanto isso, as mulheres queriam saber a receita da minha magreza e achavam lindo eu passar do manequim 42 para o 36. Confesso que adorei vestir as roupas da minha irmã mais velha, que é mais magra do que eu. Eu estava no auge da beleza, com os cabelos bem cuidados e esvoaçantes e um corpo escultural. É tudo o que uma mulher deseja nessa vida. E eu estava feliz, muito feliz. Entrar numa calça jeans é quase tão prazeroso quanto amar, quanto se deliciar com um pudim, quanto beijar na boca o cara mais lindo da festa!
Consegui permanecer com esse manequim, pequeno, por alguns anos, mas à medida que as décadas vão passando, as gorduras em nosso corpo vão se acumulando, num balé sem volta. E, querendo ou não, nossas ocupações da vida moderna (trabalho, estudo, namorado e filhos), passam a ter um valor primário em relação à vaidade. E os sonhos passam a ser a nossa formatura, o aumento de salário, um casamento notório ou um parto tranquilo. É a natureza, quase não há como fugir. Eu enfrentei as mudanças do meu corpo, me acostumei com o excesso de peso, mas as pessoas se incomodaram, meu corpo agonizou e pediu providências.
Saí do consultório desesperada, decidida a crescer, a me transformar novamente na mulher que um dia eu fui. Comprei adoçantes, produtos integrais, e as frutas e saladas passaram a fazer parte da minha dieta. Porém, as alergias começaram a aparecer e fiz novas mudanças. Meu organismo fica com urticária com o uso de adoçante e pães integrais. A ideia então, foi diminuir na quantidade. Deu certo. Perdi 20 quilos, mas os dez ainda que restaram insistem em revestir as minhas entranhas com lipídeos que me causam cansaço e desânimo. O manequim, que antes era 54, desceu para o 48, mas não sai disto.
Com a obesidade pude observar um mundo que eu não conhecia. Passei, em questão de meses, de mulher desejada, à gorda infeliz e isso não me fazia bem. Não pela vaidade, propriamente dita, mas pelos olhares maldosos de estranhos e  pelos comentários inadequados de conhecidos. As comparações com o antes e o depois eram inevitáveis. Mas, espere aí: A dona deste corpo sou eu! Quem tem que se sentir mal não são as pessoas! Então, porque elas se incomodam tanto com os outros? Porque elas se dão ao luxo de engordarem ou emagrecerem quando quiserem e eu não posso? Conheço muitas pessoas que um dia foram lindas e que hoje são um fiasco em questão de beleza, e nem por isso há infelicidade estampada em seus rostos.
A preocupação com o outro toma um tempo enorme em nossas vidas. Não nos preocupamos conosco, mas com a felicidade alheia, e os comentários sórdidos dão prazer à almas mesquinhas, que insistem em negar a feiúra própria, exaltando os defeitos do semelhante. Ser magro pode ser uma constituição física dada a poucas pessoas, mas continuar esbelto pelo resto da vida é querer demais. É um esforço tremendo, exaustivo, diante das delícias que a cozinha oferece. Meu corpo mudou, e serviu para compreender a dificuldade dos gordos com as dietas. Afinal, carrego agora, um título de gordinha, que jamais imaginei.
Eu não sou sem-vergonha, nem comilona, como muitos julgam os obesos. Simplesmente meu corpo se acostumou com a gordura e meu esforço para voltar aos 60 quilos é tarefa difícil. Não estou fugindo de um problema, apenas não estou conseguindo resolvêlo. Ao menos pude ver os dois lados da moeda: de um lado estou eu, com a cara magrinha. Do outro, já quase coroa, com muitos quilos a mais. Não é fácil, mas não se trata de preguiça. Me perdoe, meu corpo. Estou precisando me resgatar de você. Me ajude, meu cérebro. Somente você, somente nós dois podemos mudar isso. Mas, confesso que a juventude já não faz parte de mim e a dificuldade se apodera da minha vitalidade.
Sou a mesma de antes, cheia de vontade de ser linda, de chamar a atenção pela beleza e não pela gordura. Apesar das minhas outras prioridades, vou colocar estes antigos desejos e prazes à frente dos meus projetos de vida. Enquanto não emagreço, sociedade, dá para dar um tempo prá mim? Dá para dar uma trégua para quem não conseguem ter um corpo esbelto? Se colocar no lugar do outro, sem criticar ou ridicularizar é um passo para o respeito. Há momentos na vida em que a cabeça e o corpo andam separados, cada um desejando uma coisa, e a dificuldade é fazê-los agirem novamente de forma única, interessados em objetivos comuns. Enquanto isso não acontece comigo, vou tentando, do meu jeito, voltar a ser feliz, a ser mais saudável pelo menos. Mesmo porque, não é só a estética. É a versatilidade. Uma barriga saliente dói e impede certas atividades que antes eram comuns, como se abaixar para pegar um objeto. Ser gordo não é desrespeito consigo. É um processo penoso, que nem sempre temos a capacidade de vencê-lo. Estou nesta fase. Tenham paciência comigo? Agradeço desde já.






*Há uns cinco anos, em Belo Horizonte e região metropolitana, cerca de cinco mulheres, gordas, entravam nas lojas para roubar. Elas entravam como clientes e foram flagradas por câmeras e depois denunciadas e presas. Elas ficaram conhecidas como "A Gangue das Gordas".

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