domingo, 13 de novembro de 2011

Com indignação, mas também aceitação!!!

O bairro Santa Efigênia, para o cartunista Henfil (1944-1988), é melancólico por causa dos hospitais, necrotérios e manicômios na região. Ele acreditava que esse era o motivo de sua exagerada sensibilidade sobre a vida alheia. Como Henfil, também vivi no Santa Efigênia. Foi ali que me apaixonei pela primeira vez, que me transformei em adulta, e sofri grandes desilusões. A rua João Ribeiro, onde morei, era cheia de crianças. E todas saíam de casa para brincar ou conversar à noite, sentados em frente a uma fábrica de máquinas fotográficas. Entre nós, havia uma moça que não tinha muitos sonhos, apenas lembranças de uma vida feliz que viveu ao lado da mãe, que havia morrido. O pai, casou de novo com uma mulher brava, que amedrontava a todos.
A primeira vez que vi Mariinha apanhando me impressionou. Ela via a revista Pais e Filhos, ao meu lado, quando foi flagrada pela madrasta, que lhe deu um soco no rosto, e me mandou sumir dali com "aquilo". Em casa, assustada, fui aconselhada a "deixar isso para lá". E a jovem apanhou outras vezes, até levar uma surra de vassoura e morrer uma semana depois. Um vizinho a levou, nos braços, para um hospital mas ela não resistiu. Mariinha sangrava e babava como um cachorro escorraçado por gente maldosa. Homens e mulheres sabiam do assassinato, mas ninguém se pronunciou. Mais uma vez a covardia tomou conta dos vizinhos e a madrasta ficou livre, sequer arrependida do que fez.
Hoje, talvez Henfil não se assustasse com o progresso no bairro Santa Efigênia. Ele encontraria mais edifícios do que naquela época e poderia até ficar feliz com a construção de um shopping em meio às funerárias. Mas, uma coisa em especial deixaria o cartunista satisfeito: a consciência do cidadão. O crime doméstico ainda existe, mas ele não é tão praticado às claras como antigamente. Por mais que a Justiça seja branda em nosso país, ninguém quer ficar preso um dia sequer. As denúncias anônimas cresceram e protegem o "delator". Mariinha também se impressionaria com o progresso, mas talvez jamais voltasse à rua que serviu de cenário para suas torturas. Morrer, para ela, não foi melancólico. Foi uma libertação.

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